Neste segundo case-study com o objectivo de enaltecer o Marketing de Conteúdos, vou falar de uma marca bem especial para mim: a WWE, ou World Wrestling Entertainment.
O que é a WWE?
A WWE é actualmente a marca #1 de Wrestling à escala global. Quando as pessoas pensam em Wrestling, alguns nomes vêm à cabeça: John Cena, Undertaker, Hulk Hogan, The Rock ou “Stone Cold” Steve Austin. Todos eles partilham algo em comum: ficaram conhecidos essencialmente pelo trabalho desenvolvido na WWE, antiga WWF (World Wrestling Federation).
Cada pessoa tem uma ideia diferente sobre o que é o Wrestling e sobre o seu papel na sociedade, mas se há coisa que aprendi nos últimos 20 anos é que poucas são as pessoas que ficam totalmente indiferentes a este espectáculo.
Naturalmente, a “febre” é muito maior nos EUA, México ou Japão do que na Europa, mas mesmo em Portugal existe uma forte comunidade que diariamente discute todas as últimas notícias e eventos relacionados com Wrestling pelo mundo.
O propósito deste artigo não é descortinar até que ponto as lutas são combinadas, “se eles se magoam mesmo” ou porque é que todas as semanas as arenas estão cheias de fãs ruidosos. Aqui, cingir-me-ei a enaltecer a WWE enquanto fenómeno de marketing, mais concretamente no que toca a social media e a conteúdos.
Porque é que devo levar a WWE a sério?
Podemos olhar para o que acontece dentro do ringue de forma suspeita, mas fora dele os números e as façanhas recentes da empresa de Stanford deixam pouca margem para dúvida: esta marca sabe o que faz.
Em 2013, a WWE teve uma receita superior a 500 milhões de dólares. O seu CEO, Vince McMahon, tem a sua fortuna avaliada em 1.2 biliões de dólares, segundo a Forbes. A empresa está cotada em bolsa e para além dos mais de 130 lutadores conta ainda com 762 colaboradores.
Vamos conhecer um pouco melhor a marca: o que faz e porque é que o faz bem.
Programação
Considerando apenas a programação americana, todas as semanas a WWE apresenta 6 programas originais – cerca de 9 horas ao todo. A marca produz ainda mais 6 programas para outros mercados.
WWE Raw
O seu programa principal, o WWE Raw, é transmitido em directo todas as 2ª feiras e tem actualmente a duração de 3 horas. O Wrestling não tem off-season, ou seja, ao contrário do futebol ou da maior parte das modalidades, não há paragens durante o ano. Isso significa que podemos contar com um novo episódio semana após semana, 52 semanas por ano.
O Raw começou em Janeiro de 1993 e já conta com mais de 1080 episódios. O episódio 1.000 foi o programa mais visto da TV por Cabo nesse dia, contando com mais de 6 milhões de espectadores. O programa dura há mais tempo do que qualquer outra série de televisão na América, incluindo “Lassie” ou “Gunsmoke”.
Pay-Per-View
Para além dos programas semanais, a WWE apresenta ainda 12 PPVs mensais – Vince McMahon é, na verdade, considerado por muitos o inventor do Pay-per-view e detém inclusive os direitos do site payperview.com.
Os PPVs da WWE geram mais de 5 milhões de aquisições anualmente. Todos os meses são transmitidos em directo em várias partes do globo e o grande espectáculo anual é o WrestleMania.
O evento, que tradicionalmente ocorre no fim de Março/início de Abril, conta já com 29 edições e é para muitos visto como o Superbowl do Wrestling. No dia 6 de Abril acontecerá a 30ª edição, no Mercedes-Benz Superdome de New Orleans.
O preço para visionar o evento varia consoante o espectáculo e o país – o WrestleMania 29, com a duração de 4 horas, teve o preço de $59.99 ($69.99 em HD). O evento estabeleceu o recorde de evento com maior receita da história da WWE, chegando aos 72 milhões de dólares.
WWE enquanto marca digital
A WWE há muito que percebeu que a internet era uma tremenda oportunidade. A marca é vista como uma early adopter em tudo o que toca a novas tendências e, à semelhança do que aconteceu no passado com o PPV, não é tímida em tentar inventar ela própria o caminho.
Tout
Exemplo disso é a Tout, uma plataforma de vídeo em que a WWE investiu 5 milhões para promover o seu crescimento. Nesta rede social, em alguns aspectos similar ao YouTube mas restringida a vídeos de 15 segundos, a WWE promove vídeos com as suas personalidades e a audiência é encorajada a responder, também em vídeo.
Apesar de não ser uma plataforma espantosamente popular (e as menções à mesma nos programas televisivos terem caído a pique nos últimos meses) este é um bom exemplo do espírito visionário da empresa.
WWE App
No verão de 2012 a empresa de Vince McMahon lançou a WWE App, uma aplicação para Android e iOS que em pouco tempo se tornou um êxito, contando agora com mais de 10 milhões de downloads.
Para além da app apresentar alguns conteúdo do site, como vídeos, tweets ou artigos, o grande destaque vai para o second screen. Durante o WWE Raw, os fãs da marca podem acompanhar a acção durante os intervalos ou mesmo durante a transmissão, tendo acesso a alguns conteúdos exclusivos.
Aquilo que a RTP introduziu de forma pioneira em Portugal, o 5i, já a empresa de Stanford tem há quase 2 anos.
Prémios
Esta capacidade de se reinventar garantiu à WWE vários prémios, onde destaco as conquistas nas Mashable Awards; entre outras distinções, a marca foi reconhecida como “Digital Company of the Year” e “Must Follow Brand on Social Media” em 2011.
WWE e as redes sociais
Naturalmente, uma marca reconhecida pelo site Mashable como “a” marca a seguir apresenta uma enorme capacidade de criar conteúdo relevante para qualquer plataforma. Sem surpresa, a WWE marca presença em todas as principais redes.
Esta é sem dúvida a rede que a marca mais promove e provavelmente aquela que lhe garante maior engagement. A conta @wwe já leva mais de 4 milhões de seguidores, mas a equipa de Social Media gere mais de 100 contas no total.
Algumas chegam a ser mais populares que a conta institucional, como é o caso da maior estrela da actualidade, @JohnCena, que conta com perto de 6 milhões à data deste artigo.
O elenco da WWE tem voz activa no Twitter: árbitros, lutadores e até comentadores tweetam com frequência. Algumas contas são totalmente geridas pelos indivíduos, enquanto outras são mantidas pela equipa dos escritórios de Stanford.
Os lutadores são encorajados a tweetar e sabem perfeitamente como utilizar a plataforma para apimentar as rivalidades, provocar novos adversários ou dar justificações aos seus fãs – hashtags incluídas.
Aqui é importante referir que a promoção de eventos ou de merchandise (como t-shirts ou bonés) é completamente secundária; os lutadores passam muito mais tempo a responder a questões dos fãs e a continuar a narrativa desenvolvida nos programas televisivos com os respectivos colegas de profissão.
Por este motivo, um fã de Wrestling e da WWE acaba por seguir tipicamente mais de uma dezena de contas, mais que não seja para não ficar de fora das conversas que um lutador tem directamente com outro.
Os fãs de Wrestling são incrivelmente vocais e, por esse motivo, mergulham totalmente nesta plataforma durante as transmissões dos espectáculos. É frequente a participação nas hashtags e a WWE está semanalmente trending num PPV ou num Raw.
O episódio 1000 do Raw chegou mesmo a bater recordes históricos para o Twitter, com o regresso de Undertaker a obter 11.000 tweets por minuto.
Sempre que há uma transmissão televisiva em directo e um tópico está trending, a WWE exibe-o no canto do ecrã, partilhando os melhores tweets no rodapé.
YouTube
Sem surpresa, esta é uma plataforma importantíssima para a marca, que conta com perto de 3 milhões de subscritores. A WWE poderia limitar-se a colocar alguns momentos dos programas televisivos, mas vai muito mais além disso.
No canal do YouTube podemos encontrar programas especificamente desenvolvidos para a plataforma, como The JBL & Cole Show, o WWE Inbox (onde as personagens respondem a algumas questões enviadas pelos fãs), o Behind The Match (onde os lutadores falam sobre determinado combate especial) ou assistir a entrevistas exclusivas onde as storylines são, novamente, continuadas.
Antes dos PPVs, é ainda frequente a divulgação de combates completos de anos anteriores e é possível assistir-se ao Kickoff, o pre-show do PPV que dura tipicamente 30 minutos e serve para promover o espectáculo que começa imediatamente depois, com a oferta de um combate “de amostra”.
Se John Cena era popular no Twitter, então na rede principal o número de seguidores é cerca de 3 vezes superior – 20 milhões. Também aqui a conta institucional não chega à popularidade do seu lutador mais conhecido, contando com “apenas” 16.
O número é impressionante, mas só ganha verdadeira justiça com a seguinte afirmação: neste momento, John Cena é o atleta americano com mais fãs no Facebook, superando atletas como Kobe Bryant, LeBron James ou Roger Federer.
Apesar da marca ser naturalmente relevante nesta plataforma, o investimento na promoção da mesma “on camera” não é comparável aos esforços realizados no Twitter. Ainda assim, todos os lutadores têm contas também aqui, sendo esta plataforma usada frequentemente para divulgar artigos do site, vídeos do YouTube e outros links relevantes (por vezes de carácter mais institucional).
O Website
O site oficial americano é totalmente distinto do site localizado para Portugal, trazido pela SAPO, dando um enorme destaque à vida das estrelas. Toda a principal actividade de um dia pode ser encontrada aqui e o conteúdo surge de todos os ângulos.
Neste site, que é verdadeiramente um portal para o universo WWE, as secções transbordam de informação. Aqui vou abordar 3 das mais importantes.
Superstars
A secção dedicada ao plantel é particularmente rica, sendo claro um dos principais motivos de visita de um fã. Aqui, para cada lutador é possível encontrar os últimos artigos relacionados, uma playlist de vídeos, a música de entrada, todo o merchandise e o óbvio follow nas várias redes sociais.
Ao visitar a página do seu lutador preferido, qualquer fã ficará rapidamente actualizado de tudo o que a sua WWE Superstar andou a fazer.
Multimédia
O site tem um vasto conteúdo multimédia; fotos e vídeos (restringidos por localização, ao contrário do YouTube) estão em destaque. Todos os espectáculos têm direito a galeria de fotos e os lutadores realizam photoshoots com frequência, pelo que há sempre conteúdos novos.
Mas não é só de imagens que o site vive. Todos os dias há imenso conteúdo para ler: desde entrevistas, passando por artigos de opinião ou press releases, é difícil um fã ficar sem nada para fazer no site da companhia.
A loja
Seria impossível falar do site sem frisar a enorme loja online que a empresa tem. Com promoções frequentes (e newsletters a comunicá-las), na loja pode-se encontrar tudo o que se deseja de qualquer lutador, adquirir DVDs ou Blu-rays de eventos e claro, comprar bilhetes para os próximos espectáculos ou para o PPV do próximo domingo.
O triunfo do conteúdo
Depois do PPV, do second screen e de muitas outras inovações, a WWE deu recentemente mais um grande passo em frente: a 24 de Fevereiro foi lançada, nos EUA, a WWE Network.
É o momento pelo qual milhares de fãs de Wrestling aguardavam: acesso a toda a enorme, vastíssima, biblioteca que a empresa possui.
A WWE começou por disponibilizar cerca de 1500 horas de programação, organizada de uma forma semelhante ao Netflix. Semanalmente, novos conteúdos serão adicionados e o fã poderá contar com todos os PPVs, Raws e Smackdowns que alguma vez foram transmitidos.
Como se isso não bastasse, estão já a ser filmados programas exclusivos para a Network, como o WWE Countdown ou o Legend’s House. A programação é incrivelmente aliciante. Tudo por $9.99 por mês, com um período de fidelização de 6 meses.
Este comunicado, que decorreu no Consumer Electronics Show, em Janeiro, tornou-se quase bom demais para ser verdade quando a marca saca o coup de grâce e informa que os PPVs serão transmitidos nesta nova plataforma sem custos adicionais, incluindo o WrestleMania (que, como pudemos ver mais acima, sozinho é mais caro do que 6 meses de WWE Network).
Após esse comunicado, muitos fãs de Wrestling já estavam com a carteira aberta, prontos a pagar. Por agora, apenas os EUA estão contemplados mas a WWE já prometeu disponibilizar o produto para outros países, como Canadá ou Reino Unido, no final de 2014.
Para Portugal ou Brasil ainda não há planos. No entanto, podes aceder à Network já, seguindo estes passos.
Será um sucesso?
A $9.99 por mês, a WWE Network é um produto acessível a todas as carteiras e capaz de seduzir qualquer fã de Wrestling sem esforço. Ao dar este passo à frente, a WWE inova novamente, reinventando o conceito de televisão e passando a depender cada vez menos de terceiros.
O grupo de testes da plataforma está deliciado e se a infraestrutura aguentar a carga de utilizadores (algo que nem sempre acontece no streaming de PPVs) sem dúvida que muitos fãs de Wrestling ficarão radiantes.
Estima-se que na semana de lançamento a WWE angariou qualquer coisa como 300 mil assinaturas (números não oficiais). Também é conhecido o valor certo para o break-even: 1 milhão de membros. O WrestleMania será sem dúvida um evento que incentivará muita gente a subscrever mas poderá não ser suficiente – o tempo o dirá.
Dar e receber
Durante décadas, a WWE produziu conteúdos de forma ímpar. No mercado onde actua não tem neste momento concorrência à altura. Tem um produto único, uma comunidade eufórica e uma (vasta) equipa, dentro e fora do ringue, que dá 200% em todas as frentes.
Qualquer fã de Wrestling já passou horas no sofá ou na arena a assistir ao produto – conhece as personagens e mesmo que não goste do produto actual, com a WWE Network poderá sempre voltar atrás no tempo e rever as grandes glórias do passado.
Os programas principais continuarão a dar na televisão. O YouTube continuará a ter imenso conteúdo e o site continuará a trazer novidades todos os dias – mas tal não impediu a WWE de querer dar mais e, neste caso, não precisou praticamente de pedir algo em troca. Os fãs estavam lá.
A WWE receberá $9.99 por mês de qualquer fã digno desse nome, com satisfação e ansiedade, tal é a qualidade de conteúdo que consistentemente lançou cá para fora, semana após semana. Qualquer fã desejará ter acesso a todo ele na sua televisão ou computador à distância de um clique.
A WWE já foi várias vezes ameaçada e encontrou sempre uma forma de ficar por cima, muitas vezes reinventando a forma de fazer negócio. A Network será, muito provavelmente, mais um brilhante exemplo disso.
Fotografia:
- Brian Wilkins via Compfight cc