Neste primeiro case-study dedicado a bons exemplos de Marketing de Conteúdos, vou abordar um dos maiores fenómenos da música electrónica nos últimos 10 anos: deadmau5.
Quem é deadmau5?
Joel Zimmerman é canadiano e podemos considerá-lo um artista de música electrónica. Um DJ? Não. Um DJ toca discos e não é isso que Joel faz- aliás, este fica rapidamente ofendido quando é (erradamente) associado a um disc jockey. O natural de Toronto é um produtor: não se limita a tocar discos, escreve e produz as suas próprias músicas.
Se depois de ouvir a palavra “DJ” Joel ainda estiver na sala de imprensa, há 2 coisas que o jornalista deve pensar:
1- na sorte que teve em ainda ter o entrevistado consigo;
2- em não pronunciar deadmau5 como se fosse “dead mau five” na pergunta seguinte.
Porque é que eu sei isto? Simples.
Porque Joel Zimmerman é um excelente storyteller. Porque Joel Zimmerman é Joel Zimmerman – não é uma personagem, é ele próprio, a 100%, 24/7. E são esses 100% que ele transmite na sua música, dia após dia.
Mas não é só com beats que deadmau5 comunica; vamos conhecer um pouco melhor este senhor.
deadmau5, o contador de histórias
A alcunha deadmau5 (ou “dead mouse”) surgiu no dia em que Joel encontrou um rato morto dentro do seu computador. Estava numa chat room e decidiu mudar o seu nome para deadmouse, mas devido ao número de caracteres, não conseguiu. deadmau5 foi a alternativa que encontrou e o nome acabou por ficar.
O produtor canadiano dificilmente estaria agora em palco com uma cabeça de rato sem este acontecimento. Esta cabeça contribuiu em boa parte para a sua imagem de marca, simbolizando algo bem mais forte do que um aparente tributo a Daft Punk.
Esta é apenas uma das várias histórias que um fã sabe de cor e salteado sobre Joel Zimmerman.
Joel nunca fez questão de proteger a sua vida pessoal, partilhando sempre qualquer pensamento com o mundo. Naturalmente, a sinceridade nem sempre lhe trouxe bons resultados, como quando atacou Paris Hilton, David Guetta ou surpreendeu o seu amigo Skrillex ao aparecer nos Grammys com uma t-shirt com o número de telefone do produtor de dubstep. No entanto, esta amplificação de personalidade fez com que os fãs se identificassem ainda mais com o artista canadiano.
Joel não partilha apenas os momentos divertidos ou positivos da sua carreira: os fãs foram os primeiros a saber da sua condição depois de ter desmaiado em pleno palco a meio de uma tour e acompanharam as suas relações amorosas de perto, fosse os altos e baixos com a modelo Lindsey Gayle ou com a popular artista de tatuagens Kat Von D.
E como poderíamos falar da vida de deadmau5 sem mencionar o seu gato, Meowingtons? O gato é o seu grande companheiro, como poderemos verificar mais à frente.
Poucas celebridades criam esta relação de proximidade para com os fãs. Muitos sentem que conhecem Joel como se de um amigo se tratasse. Toda esta exposição e vulnerabilidade fez com que os seguidores de deadmau5 se interessassem cada vez mais pelo artista e lhe dedicassem maior tempo de antena em detrimento de outros.
Para comunicar com os fãs, Joel utiliza os mesmos canais de milhares de outros artistas: as redes sociais. No entanto, e ao contrário de 95% dos restantes performers, Joel sabe perfeitamente o que está a fazer.
deadmau5 e as redes sociais
A polémica é uma nota de rodapé na vida de deadmau5. Este produtor vive essencialmente da música que faz, do seu merchandise e claro, dos espectáculos pelo mundo fora. E deadmau5 sabe que o segredo do seu sucesso reside, em boa parte, na sua comunidade- a horde, como ele lhe chama.
A equipa de Joel também tem controlo sobre as suas plataformas sociais, mas quem as gere é sobretudo ele. Aqui, vou falar das mais importantes.
Soundcloud
A primeira plataforma digna de menção é claro a alemã Soundcloud. Na rede social dedicada à música (e ao audio em geral), o canadiano conta com quase 500 mil seguidores.
E engane-se quem achar que a conta está em soundcloud.com/deadmau5. Não, Joel não respeita a regra sagrada de ter o mesmo handle em todas as plataformas. Aqui, podemos encontrá-lo com a handle de fuckmylife.
FML é uma das várias provas de que deadmau5 conhece (e faz parte) da geração da internet, que é simultaneamente uma boa parte da horde. Mas algo mudou recentemente…
Se a visitarmos hoje, não encontramos qualquer clip sonoro. Tal não era o caso em 2013, quando deadmau5 colocava com frequência demos de músicas, versões alternativas dos seus êxitos, covers de outras músicas ou de temas de videojogos e todo o tipo de sons que lhe apetecesse. Qualquer post recebia, numa questão de segundos, centenas de comentários.
A razão para a conta estar agora vazia? Vamos saber mais à frente.
Possivelmente, a plataforma preferida do produtor. Aqui, deadmau5 conta com quase 18 mil tweets e mais de 2.5 milhões de seguidores.
18 mil tweets? Como atingiu deadmau5 esse número? Interagindo com os fãs (e com os haters). Respondendo a questões. Dizendo o que lhe vai na alma. Fazendo RT de pensamentos que concorda.
E falando com o seu gato. Sim, Meowingtons também tem a sua própria conta no Twitter. Agora bem menos activa, conta ainda assim com mais de 34 mil seguidores e contém alguns dos textos mais divertidos que Joel publicou em qualquer plataforma da internet.
O que tem tudo isto de especial?
Simples. Joel não é o habitual artista que aparece no Twitter quando tem um álbum novo para promover, quando a editora acha relevante divulgar uma nova tour ou para fazer uma questão de estudo de mercado. Joel passa genuinamente horas no Twitter a responder a fãs e a estabelecer uma relação personalizada com a horde.
No dia 12 de Novembro, o universo do Twitter tremeu quando deadmau5 anunciou que estava de saída da rede. Chegou até a apagar todos os seus tweets.
Alegadamente, deadmau5 estava cansado da falta de controlo que tinha na plataforma e devido à energia (e tempo) que dispendia, tinha optado por entregar a plataforma à sua agência. No entanto, provavelmente por dependência, tal acabou por ser sol de pouca dura e o seu regresso não se fez esperar.
Tumblr
Para além da música, deadmau5 é bastante talentoso na escrita. Como já foi exposto neste artigo, deadmau5 não é alguém que goste propriamente de guardar os pensamentos para si. No seu tumblr, intitulado “united we fail” é frequente encontrarmos fotografias da sua casa, do seu enorme estúdio, de Meowingtons e… todo o tipo de ideias que lhe surgem.
deadmau5 utiliza este canal sobretudo para comunicar ideias mais elaboradas, que não cabem em 140 caracteres. Um exemplo disso? O seu artigo “We all hit play” em que explica um dos aspectos mais controversos da actualidade entre os DJs e produtores de EDM (Electronic Dance Music). Num artigo polémico, o produtor explicou porque é que os artistas não estão em condições de arriscar e porque não é de esperar mais improviso na hora das actuações ao vivo.
Ele pensa, publica e a horde faz o resto- espalhando a mensagem por todo o Tumblr numa questão de minutos.
A rede social mais popular do momento é, naturalmente, a plataforma onde deadmau5 conta com mais seguidores – mais de 8 milhões à data deste artigo.
Sendo esta uma plataforma mais mainstream, é natural que seja “um best of” do que acontece nas outras plataformas. Todos os principais momentos, sejam eles pensamentos, fotografias, músicas ou vídeos passam por aqui, mas este é discutivelmente o canal menos personalizado do “rato”.
Tal decisão faz sentido visto que os fãs mais hardcore de deadmau5 sabem perfeitamente onde o encontrar; este é um canal para o “resto do mundo” saber o que ele está a preparar.
Ustream
Foi graças a deadmau5 que eu conheci o Ustream– como eu, provavelmente muitos outros. As sessões de deadmau5 são bastante populares e raramente têm um tema específico.
O conceito é simples: o artista tem tempo para queimar e decide dedicá-lo à sua comunidade- deadmau5 liga-se a partir de qualquer lado (geralmente do seu estúdio ou da sua sala de estar) e responde em voz alta ao que surge na sua feed do Twitter.
Muitas vezes, tal é só o início, acabando por ficar a tocar algo no piano ou no seu computador e a falar com o seu gato, ou com quem estiver em sua casa, à frente de todos.
Os membros mais fanáticos da horde adoram estas sessões, porque podem passar umas horas com o seu ídolo e ter acesso a algo mais íntimo e pessoal, independentemente do tópico- garantido maior exclusividade.
Novamente, cá está um exemplo da sua capacidade de partilha- muitos artistas certamente considerariam um risco mostrar a casa, os amigos/parceiro ou os animais de estimação ao mundo, mas é exactamente isso que o “rato” faz (ou fazia, mais respostas à frente) com enorme frequência.
YouTube
Esta é outra plataforma onde deadmau5 tem enorme impacto. Contando com perto de 700.000 subscritores à data deste post, aqui podemos encontrar muito mais do que os habituais videoclips ou imagens capturadas de eventos/festivais em que Joel fez parte.
Desde viagens de carro com amigos e artistas passando por trabalhos de fãs e acrobacias incríveis de Meowingtons, tudo é passível de ser publicado na principal rede social da Google. Uma abordagem bastante diferente às habituais contas de cariz comercial de outros artistas.
Uma colaboração inesperada
Seguidores, likes e tweets à parte, com tanta entrega deadmau5 ganhou bem mais do que apenas uma relação próxima com a comunidade. Um exemplo? A colaboração com Chris James.
Numa sessão de streaming de 22 horas, uma partilha de material “inacabado” com os fãs trouxe um convidado inesperado para dar voz a The Veldt, uma faixa baseada num conto de Ray Bradbury.
Depois de deadmau5 ter mostrado a sua mais recente criação à horde, esta avisou-o horas depois que alguém tinha dado voz à versão instrumental da música. Chris James, um seguidor do trabalho do canadiano, tinha colocado a sua interpretação no Soundcloud e não foi só a comunidade de Joel que foi apanhada de surpresa.
O seu talento impressionou tanto Zimmerman que numa questão de horas este o contactou, avançando rapidamente com o projecto. Depois de editada, esta faixa revelou-se uma das mais populares nas pistas em 2012, chegando a ser nomeada pela revista Rolling Stone uma das 50 melhores músicas desse ano.
Uma colaboração sem dúvida impossível de acontecer há uns anos atrás.
O triunfo do conteúdo: a sua nova plataforma
Se chegaste até aqui, provavelmente estarás a pensar o que terá conteúdo a ver com um artigo que realça sobretudo as redes sociais.
Sem dúvida que este poderia ser um case study de redes sociais, porque o “rato” domina-as como poucas celebridades. Mas domina porque produziu sempre conteúdo sincero, envolvente, original e nativo à plataforma em questão.
Não o fez para ganhar seguidores, até porque se esse fosse o objectivo provavelmente investiria mais em publicidade e evitaria as declarações potencialmente polémicas. Mas não.
Joel mostrou honestidade, vulnerabilidade e liderança. Fala do que sente, criando com isso uma ligação de amor/ódio com a sua audiência, que até serve de filtro. Quem gosta de deadmau5, gosta mesmo- o contrário também se aplica.
Ao enviar a horde para o Ustream, para o Soundcloud ou para o Tumblr (consoante a mensagem), o artista criou uma ligação única com a sua comunidade. Mas só conseguiu chegar lá devido à qualidade do conteúdo que partilhava.
Enquanto outros artistas escrevem um tweet a relembrar que o novo CD já está disponível ou que os bilhetes para um concerto já podem ser adquiridos, deadmau5 raramente pede algo a alguém- e quando o faz, é normalmente acompanhado de ironia.
Falava em voz alta no Ustream para responder a um fã. Fazia upload no Soundcloud para divulgar o que tinha andado a fazer à comunidade, sem pedir 1 cêntimo em troca. E sempre que a comunidade não sabia o que pensar sobre determinado acontecimento, bastava dirigir-se ao tumblr para encontrar um pouco de informação “vinda dos bastidores” de quem sabe.
Ele deu, deu e deu, nunca pedindo nada em troca. Até que…
A dinâmica da comunidade obrigou Joel a reflectir sobre o seu futuro. O produtor passava cada vez mais tempo nas redes, recebendo muito “barulho” irrelevante de pessoas que não respeitavam o seu trabalho e enfrentado problemas com plataformas que não lhe davam o controlo que desejava. Por estas razões (e devido ao brilhantismo do seu conteúdo), Zimmerman entendeu que a altura de pedir algo tinha chegado.
Foi aí que surgiu a sua nova plataforma.
Numa parceria com a Upfront, deadmau5 criou no final de 2013 a sua própria rede social, plena de conteúdo. A ideia passa por continuar a partilhar tudo o que partilhava nas outras plataformas mas, desta feita, num canal fechado.
Um utilizador terá acesso a:
- Chat com o próprio deadmau5
- Fotos e Vídeos, incluindo streams no estúdio
- Música, incluindo projectos inacabados, covers e faixas nunca lançadas
- Fórum para debater temas com o artista e outros utilizadores
- VIP QR codes para eventos privados
Existe conteúdo disponível para todos, mas o conteúdo premium é apenas acessível a quem pagar $4.99 dólares por mês ou $44.99 por ano.
No que toca a conteúdos que entrarão em conflito por já serem distribuidos por uma editora, deadmau5 referiu que as 2 partes “acabarão certamente por chegar a um acordo”.
Dificilmente este produto poderia acontecer sem provas dadas no passado no que diz respeito à entrega de conteúdos relevantes para a comunidade. Apesar das inevitáveis críticas, a decisão de deadmau5 foi no geral bem recebida pela horde, considerando o preço bastante razoável para o que obterão em troca.
Será um sucesso? Marcará o início de uma revolução? O tempo o dirá.
Se mais artistas poderão seguir as pegadas de Joel Zimmerman? Sem dúvida. Mas 90% deles terão de começar a dar muito mais do que dão actualmente, até obterem permissão para pedir.
Fotografia:
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